O presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, veio a despacho a Luanda para tomar conhecimento da versão oficial sobre vários projectos e iniciativas em curso no país para a (suposta e prometida há 45 anos) diversificação da economia nacional e melhoria do ambiente de negócios. E foi brindado com a caminhada da selectiva e suposta luta contra a corrupção.
Charles Michel foi recebido pelo Presidente da República, pelo Presidente do MPLA e pelo Titular do Poder Executivo, no Palácio Presidencial, numa prova da inequívoca sintonia das três principais figuras institucionais do país…
João Lourenço disse que o país está seriamente apostado em atrair investidores privados nacionais e estrangeiros, para os sectores da agricultura e pescas, indústria, hotelaria e turismo, fabrico de materiais de construção, produção de adubos e fertilizantes e em outros ramos de interesse. Em síntese… quase tudo.
“O Estado está a realizar concursos públicos para a concessão da gestão e exploração de terminais portuários, caminhos-de-ferro. Está igualmente a alienar, por via de concursos públicos de privatização, um leque considerável de activos a favor de privados”, acrescentou o Presidente.
Por outro lado, destacou as medidas adoptadas para combater a pandemia da Covid-19 com apoio da iniciativa Covax, que têm a União Europeia como dos principais financiadores.
“Deu-se início à campanha de vacinação a nível nacional, com recurso às cercas de 630 mil doses doadas pela iniciativa Covax, que se comprometeu alargar essa doação para atingir 13.224.240 doses de vacinas de marcas diversas”, disse o Presidente João Lourenço.
Angola está ainda à espera de 50 milhões de doses do Banco Europeu de Investimento, bem como das que foram adquiridas com recursos próprios.
“O país adquiriu com recursos próprios seis milhões de vacinas da Sputnik 5 que contamos receber a primeira metade em breve, ou seja no mês de Maio”, referiu João Lourenço.
O Chefe de Estado angolano deu a conhecer ainda que foram implementados oito programas em Angola no valor de 132 milhões de euros, no âmbito Fundo Europeu de Desenvolvimento (FED), e apoiados vários projetos com investimentos públicos pelo Banco Europeu de investimentos para desenvolver os sectores de energia e águas, telecomunicações e outros.
João Lourenço realçou que todas as medidas implementadas pelo Governo referidas neste encontro aconteceram em simultâneo com uma vasta campanha de (suposto e selectivo) combate à corrupção e à impunidade, distinguindo os corruptos bons (os que viram roubar, participaram no roubo, beneficiaram do roubo mas que não são ladrões) e os maus. A par disso, destacou também os esforços envidados para a resolução dos conflitos que assolam a região.
“Angola preside à Conferência Internacional da Região dos Grande Lagos e, nesta qualidade, tem envidado esforços no sentido de ajudar na resolução dos conflitos entre Ruanda e Uganda, assim como na pacificação da República Centro-Africana, onde na Cimeira de Luanda de 20 de Abril conseguimos o compromisso dos principais líderes rebeldes para abandonarem a via armada”, referiu o Presidente.
À delegação do Conselho Europeu, João Lourenço disse igualmente que o país aprecia as relações que vem mantendo com a União Europeia ao longo dos anos e acredita existir ainda um potencial muito grande por explorar entre as partes. Ou seja, é preciso que os europeus continuem a abrir os cordões à bolsa, ajudando os poucos que cada vez têm mais, mas dizendo sempre que estão a ajudar os milhões que têm pouco ou… nada.
“As nossas relações baseiam-se no Acordo de Cotonou e no Acordo de Parceria Caminho Conjunto Angola/União Europeia para o diálogo e cooperação”, recordou João Lourenço.
Angola e a União Europeia trabalham na elaboração e implementação, ainda este ano, de um acordo de facilitação de investimentos e na conclusão do processo de adesão de Angola ao acordo de parceria económica com a União Europeia.
A (suposta) luta contra a corrupção continua a gerar dividendos
No dia 4 de Junho de 2018, o Presidente João Lourenço garantiu, em Bruxelas, à comunidade empresarial belga (e por uma questão de cortesia os empresários fingiram acreditar) que estava a travar “uma verdadeira cruzada contra a corrupção e a impunidade”, e que muito em breve criaria um ambiente de negócios propício ao investimento privado no país. Nada que, durante muitos anos, não tivesse sido dito pelo seu patrono, José Eduardo dos Santos.
Por ocasião de uma visita oficial ao Reino da Bélgica, que se seguiu a uma deslocação a França, João Lourenço, dirigindo-se num almoço a um “grupo representativo da classe empresarial belga”, deu conta do “quadro de medidas que o executivo angolano vem tomando no sentido de atrair o investimento privado estrangeiro para Angola nos mais diversos sectores da economia”, e salientou várias iniciativas legislativas para garantir que a corrupção e a impunidade “têm os dias contados”.
Depois de fazer um resumo do trabalho desenvolvido no sentido de criar um ambiente de negócios propício à atracção de investimento privado, incluindo do ponto de vista legislativo, com uma nova lei sobre o investimento privado mais atractiva e que confere mais protecção aos investidores, assim como a nova lei da concorrência para “combater os monopólios e facilitar a livre concorrência entre agentes económicos”, o chefe de Estado do MPLA admitiu que estas medidas não seriam suficientes se não fosse travado também um combate à corrupção.
De acordo com João Lourenço, “este novo ambiente de negócios que se está a criar não ficaria completo” se as autoridades se limitassem a estas medidas enumeradas e não tivessem tido “a coragem de enfrentar dois grandes males de que a sociedade angolana enferma, mas que felizmente têm os dias contados, que são a corrupção e impunidade”.
“Estamos numa verdadeira cruzada contra a corrupção e impunidade, cujos resultados positivos não tardam a chegar”, garantiu. Crê-se que já foram disponibilizadas umas toneladas de divisas para importar esses resultados.
Na altura, Junho de 2018, o Folha 8 fazia votos para que os resultados não viessem de bicicleta e que, como noutros casos, a bicicleta não avariasse. É que se avaria, poderá por exemplo partir a corrente, e neste caso – dada a situação de crise que o país vive – será difícil arranjar peças sobressalentes. O que será, convenhamos, uma chatice!
O Presidente João Lourenço apontou que, “nesta senda, a nova lei do investimento privado, ao não obrigar o investidor estrangeiro a associar-se em parcerias nacionais, cabendo a ele próprio fazê-lo se entender que é melhor para aquele negócio em concreto, está com isso a dizer que o seu investimento é bem-vindo desde que cumpra com a lei e só com a lei, e que nada mais lhe será exigido, porque se algum agente do Estado o fizer poderá ser denunciado às autoridades competentes”.
“Angola é um país estável, acolhedor e com necessidade de investimento em praticamente todos os sectores da economia. Visitem Angola e venham conhecer o novo destino do investimento em África. Garantimos que ficarão encantados e atraídos com as oportunidades que vão encontrar”, concluiu João Lourenço.
Baixinho (como convém) alguns empresários comentaram que se Angola tem “necessidade de investimento em praticamente todos os sectores da economia”, é porque o MPLA – que está no poder desde 1975 – nada tem feito nestas décadas. É verdade. Mas é uma daquelas verdades em que se pensa mas que não são para dizer… em voz alta.
E a tal… Lei da Probidade?
A Lei da Probidade Pública constituiu, segundo o seu articulado e os devaneios propagandísticos do regime, mais um passo para a boa governação, tendo em conta o reforço dos mecanismos de combate à cultura da corrupção. Recordam-se?
Recorde-se (também e sobretudo ao actual Presidente do MPLA) que a Assembleia Nacional aprovou no dia 5 de Março de 2010, com o devido e apologético destaque propagandístico da imprensa do regime e não só, por unanimidade, a Lei da Probidade Administrativa, que visava (de acordo com a versão oficial) moralizar a actuação dos agentes públicos angolanos.
Disseram na altura, e continuam a dizer agora, que o objectivo da lei é conferir à gestão pública uma maior transparência, respeito dos valores da democracia, da moralidade e dos valores éticos, universalmente aceites.
O então presidente da República, José Eduardo dos Santos, quando deu posse ao na altura novo Governo, entretanto várias vezes remodelado, reafirmou a sua aposta na “tolerância zero” aos actos ilícitos na administração pública. Tal como promete hoje João Lourenço.
Apesar da unanimidade do Parlamento, e passado todo este tempo, o melhor é fazer, continuar a fazer, o que é aconselhável e prudente quando chegam notícias sobre a honorabilidade do regime do MPLA, esperar (sentado) para ver se nos próximos dez ou 20 anos (o optimismos faz parte do nosso ADN) a “tolerância zero” sai do papel em relação aos donos dos aviários e não, como é habitual, no caso dos pilha-galinhas.
Essa lei “define os deveres e a responsabilidade e obrigações dos servidores públicos na sua actividade quotidiana de forma a assegurar-se a moralidade, a imparcialidade e a honestidade administrativa”. É bonito. Digam lá que não parece – em teoria – um Estado de Direito?
Mas alguém acredita, como promete o MPLA, no reforço dos mecanismos de combate à cultura da corrupção? Se calhar não acreditam. Têm, contudo, de estar caladinhos e nem pecar em pensamentos. Mas acreditava (isto é como quem diz) José Eduardo dos Santos. Mas acredita (isto é como quem diz) João Lourenço. E isso basta. Se calhar a Lei da Probidade Administrativa, como todas as supostamente novas acções do actual Presidente, farão com que Angola suba para aí meio lugar nos últimos lugares do “ranking” que analisa a corrupção.
Acreditarão na Lei da Probidade Administrativa e nas supostamente novas acções do actual Presidente todos aqueles que sabem, até mesmo os que dentro do MPLA batem palmas à ordem do chefe, que em Angola a dependência sócio-económica a favores, privilégios e bens, ou seja, o cabritismo, é o método utilizado pelo MPLA para amordaçar os angolanos?
Também não interessa se acreditam ou não. O importante é que o MPLA recebe os encómios dos países acocorados perante o petróleo angolano, que preferem negociar com um regime corrupto do que, eventualmente, com um que tenha uma base democrática.
Se calhar, pensam baixinho os angolanos que usam a cabeça e não a barriga para analisar o seu país, para haver probidade seria preciso que o poder judicial fosse independente e que o Presidente da República não fosse – como acontece à luz da Constituição – o “cabeça-de-lista” (ou seja o deputado colocado no primeiro lugar da lista), eleito pelo do circulo nacional nas eleições para a Assembleia Nacional.
Se calhar para haver probidade seria preciso que Angola fosse uma democracia e um Estado de Direito, coisa que manifestamente (ainda) não é.